Ser negro de direitos e ser negro de deveres
As políticas de ações afirmativas nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), impactaram profundamente no perfil de estudantes que nelas estão ingressando nos últimos anos e mesmo assim continuamos distantes dos patamares ideais.
E esse processo vem alterando também a estrutura social, de modo que muitos que estavam às margens da sociedade e/ou que sofrem cotidianamente os efeitos do racismo estrutural movimentado pelo preconceito de marca, estão sentando nos “bancos” das universidades e tendo uma chance única e diferenciada de ocupar novos lugares de fala possibilitados pelo trajeto formativo o qual tiveram acesso.
Nesse sentido, aquelas negras e negros de deveres que historicamente ocupam, na história da formação social, política e econômica do Brasil, posições sociais subordinadas, precárias, excludentes e injustas, que exatamente pelas características visíveis de seus corpos (tonalidade da pele, textura dos cabelos, lábios de formato sobressalente e nariz de formato alargado) são profundamente condicionados a diversos tipos de violência notoriamente racializados. Ora, eis aqui os fundamentos que justificam a medida de reparação histórica da dívida impagável que o Brasil possui com a sua população afrodescendente.
Consequentemente, respaldada por um significativo aparato legal, inúmeras políticas públicas foram e continuam sendo formuladas e/ou aperfeiçoadas para concretizar essa tão necessária reparação pela via do princípio da igualdade, da justiça e da equidade. Então os negros de deveres têm, enfim, possibilidades de serem também negros de direitos a partir das cotas como valor estruturante.
Assim, torna-se interessante para os “afroconvenientes” ou aquelas pessoas que se interessam em repentinamente forjar suas identidades para se passar por negros de direitos.... afinal, trata-se de uma vaga em uma instituição federal de ensino superior de excelência.
Para garantir que essa política de ações afirmativas tenha as vagas de ingresso ao ensino superior garantidas para negros que são de direitos e deveres, temos os procedimentos de heteroidentificação enquanto mecanismos complementares à autodeclaração de pessoas pretas e pardas que pleiteiam este acesso.
Portanto, entremeio a avanços e retrocessos, que vão desde o êxito do aproveitamento acadêmico, até o fracasso das ocupações indevidas de vagas destinadas às cotas raciais, temos a educação antirracista, fazendo a diferença na vida tanto das pessoas que a ela se dedicam, quanto daquelas que por ela são beneficiadas.
Jane Maria dos Santos Reis
Doutora em educação pela Universidade Federal de Uberlândia; Coordenadora executiva do NEAB-UFU – Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Uberlândia; Membro nas Comissões de Heteroidentificação de Cotas Raciais da UFU; Presidenta da Comissão de Denúncias na Graduação e da Comissão de Serviço Público; Membro da Direção Executiva do Fórum de Defesa das Cotas Raciais junto ao Ministério Publico Federal de Uberlândia.